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CCMAR desenvolve primeiro mapa da toponímia dos mares algarvios

24-08-2016 - 13:10

Nem todos os caminhos vão ter aos resorts onde o peixe cresce e se multiplica, como manda a natureza. A partir de agora, as ruas e avenidas do mar passam a ter nomes, acessíveis a qualquer um, desde que saiba navegar. O Centro de Ciências do Mar (CCMar), da Universidade do Algarve, elaborou o Primeiro Mapa da Toponímica dos Mares Algarvios, apresentado nesta sexta-feira, para mais facilmente se chegar aos bancos de pesca. Uma parte dos segredos do mar foram desvendados mas, dizem os entendidos, para se ser pescador é preciso “arte” e mais qualquer coisa.

Na cidade que se ergue no fundo do mar, ao longo de uma faixa de 220 quilómetros – de Vila Real de Stº António a Odeceixe - há um mundo novo a (re)descobrir através da toponímica. Durante um ano, uma equipa de cinco investigadores do CCMAR, em colaboração com os pescadores, fez o levantamento de mais de 7 mil nomes de lugares “secretos” da costa algarvia. No final, porque a designação de alguns sítios se repetia de zona para zona, a carta ficou reduzida a cerca de 500 lugares. O mapa, explicou Jorge Gonçalves, o cientista da Ualg que coordenou o projecto, “tinha de ter leitura fácil, por isso foram assinalados só os sitíos mais significativos”. Quem validou o trabalho foi uma Comissão de Sábios constituída por oito elementos. “Todos pescadores”, sublinha Jorge Gonçalves, destacando os “agradecimentos” à comunidade piscatória, que identificou os lugares e colaborou com os académicos.

Júlio Alhinho, de Quarteira, fez parte da equipa de “sábios” escolhidos para “pôr o visto” neste mapa toponímico, que sintetiza o conhecimento de algumas gerações de marinheiros. “Aqui em frente, [Quarteira] encontramos a 'pedra Joaquim Tomás', nome de um antigo marinheiro". A rocha, explica, é a porta de entrada por para o “aldeamento” onde os cardumes construíram os seus habitats para se defenderem dos predadores. “Se o peixe não fosse esperto, já a gente o tinha matado todo”, comenta. Neste jogo entre quem lança a rede e quem “cai nas malhas”, elogia o pescador de polvo, José Agostinho, “Júlio Alhinho é um dos que mais sabe” pois “conhece como poucos” a costa algarvia.

Em Portimão, Jorge Vairinhos, dirigente da cooperativa de armadores de pesca do Barlavento, sublinha a importância do mapa que identifica os principais bancos de pesca. “Bom trabalho”, diz, destacando a importância do suporte cientifico na sistematização da informação dispersa . “As novas tecnologias vieram permitir desvendar os segredos sobre os melhores locais para a pesca mas há sempre qualquer coisa que os aparelhos não revelam”, observa. Por seu lado, Alhinho acrescenta: “Para ser pescador não basta conhecer os bons sítios”. A arte e o “trabalho, muito trabalho” podem fazer a diferença.

Na base da elaboração do mapa estão duas centenas de entrevistas a pescadores nos principais portos do Algarve. A princípio, conta a investigadora Esmeralda Costa, encontrou algumas reservas, vindas da ancestral separação entre a Universidade e o mundo exterior. “Para que querem saber os nossos segredos?” Esta foi a pergunta, não directamente dirigida, que viu suspensa nas muitas conversas que teve com os marinheiros. No final, confidencia, o resultado superou as expectativas. “Posso dizer que, inclusive, fiz algumas amizades”. Desde há dezenas de anos a trabalhar nesta área, considera que trabalho realizado foi “uma homenagem a todos eles [pescadores]”. Da parte que lhe diz respeito, lamenta não ter conseguido bolsa de investigação para dar seguimento ao trabalho.

A apresentação do primeiro Mapa da Toponímica dos Mares Algarvios esteve a cargo dos académicos Jorge Gonçalves e do pescador Júlio Alhinho. “Não tenho jeito para falar em público”, desculpou-se, quando lhe foi formulado o convite. Mas, por fim, lá aceitou partilhar as muitas histórias que conhece. Porque é que as rochas, no mar, têm nomes como se fossem monumentos? “São pontos de referência”, explicou, quando entrevistado pelo PÚBLICO. Mas a costa algarvia não tem só rochas. Na pesca do cerco (sardinha), observa Jorge Vairinhos “trabalha-se em chão limpo [areia]”. A existência de grandes ou pequenas capturas, diz Júlio Alhinho, não depende da capacidade do pescador. “A natureza é quem manda nisto tudo, é como em terra – umas vezes o ano é bom, outras mau”.

Quando se olha para o mar e se vê um horizonte azul aparentemente homogéneo, é puro engano: “Lá no fundo, há vales e montanhas, como na terra”, observa Jorge Gonçalves. Alguns desses elementos geográficos, os mais significativos, já se encontravam registados na carta náutica, do Instituto Hidrográfico. O novo mapa do CCMar conferiu-lhe precisão. “A carta [naútica] estava muito vazia”, diz Jorge Alhinho, começando a enumerar nomes de sítios de referência para a pesca. “Em frente a Vale do Lobo temos as Barrocas”, exemplifica. Em muitos casos, os nomes dos lugares estão associados ao apelido dos pescadores que os descobriram. “Pode ser que um dia haja a pedra Alhinho”, graceja.

Texto: Fonte: Público Foto: Público

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